DISCURSO DE POSSE NA ACADEMIA SOROCABANA DE LETRAS - 18/07/2023

 

Ilustre Presidente, nobres membros da Diretoria,

Digníssimas autoridades presentes,

Caríssimos Confrades e Confreiras desta ilustre e histórica Arcádia e casa do saber,

Senhoras e Senhores,

 

É com prazer inolvidável que vivencio esta esperada noite e momento. Momentos como estes é que produzem a história:

A história do povo brasileiro, do nosso povo paulista, a história ilustre e rica de nossa amada Sorocaba.

Numa noite como esta, sublime e esperada, minhas memórias, sentidos e imaginação se dirigem à Rua do Passeio, no Rio de Janeiro, há exatos 126 anos atrás.

Estavam ali, ladeados, contagiados e renovados por um sonho comum, os maiores mestres de nossa inteligência e literatura pátria.

Aos 20 de julho de 1897, o acadêmico Machado de Assis, assentado na cadeira 23, está bem próximo do acadêmico Rui Barbosa, assentado na cadeira 10.

Ambos são fundadores da Academia Brasileira de Letras e também os primeiros presidentes da mesma.

Que momento belo e histórico!

Imaginar o mais sábio dos brasileiros,

neste empreendimento sublime e imortal junto ao maior da nossa literatura pátria.

 

Senhoras e Senhores,

Coube a mim, modesto aprendiz e sempre estudante, tomar posse e assentar-se na cadeira nº 5 desta ilustre Academia, cujo patrono é Rui Barbosa.

Posto que pequeno em estatura, contando com seus 1,58 de altura, Rui era gigante em conhecimento, incomparável em grandeza e tinha uma arrebatadora presença onde quer que estivesse.

Advogado, jornalista, jurista, político, diplomata e orador, nasceu em Salvador e faleceu aos 73 anos em Petrópolis, há exatos 100 anos atrás.

Com sua morte, deixou uma biblioteca de 600 mil livros.

Grande orador, inigualável diplomata, homem justo, prolífico escritor, Rui é o Patrono da Advocacia brasileira!

 

Antes de minha chegada a esta casa, foi de um grande intelectual esta honrosa cadeira.

João Dias de Souza Filho!

Não estivemos juntos, mas sei o homem que foi, o homem que é, e o quanto representa para a nossa cidade e país.

Grande estudioso e orador, exímio professor, advogado, foi chefe da Divisão de Comunicação e Arquivo da Prefeitura de Sorocaba.

Certa vez ele escreveu sobre a importância das bibliotecas, e disse ser essencial que quem cuide delas seja alguém que goste de ler.

Quiçá também todos os professores amassem a escola em que lecionam e cada aluno e histórias que nela se encontram.

Quiçá também todos os que se dizem crentes e cristãos pudessem conhecer mais precisamente e pessoalmente o Deus Criador e Salvador que entendem adorar.

Quiçá também todos os agentes públicos e políticos da nossa pátria também tivessem maior apego, maior amor, maior dedicação, maior conhecimento acerca da cidade em que atuam.

João Dias foi o homem certo para o seu tempo.

Líder, ousado, preparado, competente em tudo que fazia, sempre pronto a liderar.

Ainda aluno do Estadão, aprendeu muito com João Tortelo e, com ele teve uma ampla visão da importância dos livros em nossas vidas.

Com tudo o que aprendeu, foi diretor da biblioteca do Gabinete de Leitura Sorocabano, quando o Dr. José Pereira Cardoso, meu saudoso professor na Faculdade de Direito de Sorocaba, era seu presidente.

João afirmava que Biblioteca dinâmica é sinal visível de cultura, principalmente em tempos que se valorizam tanto os resumos.

Ele tomou posse nesta casa ao final do ano de 1995, sob a presidência de Jorge Narciso de Matos, e ali fez mais um de seus memoráveis discursos enfatizando a vida de Rui e contando com a presença ilustre de Pannunzio, Bonadio, Sérgio Coelho, José Aleixo Irmão e Dona Mercedes, da nossa vice-Presidente Dra. Maria Aparecida entre tantos outros.

Em 2006, João recebe o Título de Cidadão Emérito desta cidade.

Nos últimos anos e por questões de saúde, precisou se afastar de suas atividades, o que configura em ausência importante e sentida nesta casa e nesta cidade na qual nas décadas passadas ele, como seu antecessor, figuraram como protagonistas em suas diversas instituições e meios de convívio.

 

Preciso também mencionar o seu antecessor e primeiro ocupante desta cadeira, o Dr. Hélio Rosa Baldy, fundador e saudoso diretor da minha amada FADI.

Hélio Rosa Baldy foi um dos fundadores desta Academia, e lhe coube o discurso inaugural há 44 anos atrás.

Nascido em Piedade, em 1922, graduou-se em Direito na USP, sendo colega do jurista Hélio Bicudo, da escritora Lygia Fagundes Telles e do ator Paulo Autran.

Em 1957, assumiu as aulas de Direito Constitucional na Faculdade de Direito de Sorocaba, na qual se manteve até seu último suspiro.

Diretor da FADI e presidente da Fundação Educacional Sorocabana, organizou a Secretaria de Negócios Jurídicos da Prefeitura de Sorocaba na primeira gestão de Armando Pannunzio.

Exerceu o cargo de secretário jurídico da Câmara durante 36 anos, e foi também vereador desta cidade, tendo sido presidente da Casa em 1960.

Recebeu várias homenagens como jurista, professor e advogado.

Em 1995, o Jornal Cruzeiro do Sul dedicou uma página inteira para comemorar os seus 50 anos de advocacia, momento em que recebeu muitas honrarias.

Por ocasião de sua morte, em 1997, aos 75 anos, seu sepultamento no Memorial Park contou com multidões presentes para honrar sua memória e o legado deste grande e saudoso brasileiro. O prefeito então decretou 3 dias de luto oficial.

Ele escreveu o livro “Em torno da Justiça e da História”, que me fez conhece-lo pela primeira vez e mais profundamente, em meu primeiro ano na FADI, em 2002.

Frequentava e amava tanto aquela biblioteca que as funcionárias permitiram acesso, somente a mim, de um setor de livros raros fechado para os demais alunos.

Ali pude encontrar toda a coleção de livros deixados pelo Dr. Hélio na Nossa de Direito.

Li livro após livro, em diversos idiomas e toda a coleção de Rui Barbosa, além de grandes clássicos da literatura jurídica e universal. Com aquele aprendizado, hoje completo quase 3.500 livros lidos e tenho 40 obras publicadas.

Fui seguindo as anotações que o mestre fazia em todos os seus livros e percebi que pensava da mesma forma que ele em tudo – eu também sublinharia as mesmas palavras e faria as mesmas anotações.

Me senti em casa, e a FADI se tornou, naqueles doces 5 anos, o meu segundo lar.

Passei a conhecer toda a sua história e fui presenteado pelo Dr. Ademar Adade, com os dois volumes de “A Nossa de Direito” de José Aleixo Irmão, e fui convidado a continuar escrevendo junto dele essa história.

Hoje, quase 20 anos depois, me antevejo prosseguindo essa escrita e história, desta vez em coautoria com o confrade Carlos, neto do brilhante autor dos dois volumes iniciais.

 

Mas não poderia concluir minha fala sem mencionar mais uma vez Rui:

Personagem dos mais notáveis da história do Brasil, é o símbolo máximo da inteligência nacional e considerado por muitos, inclusive por mim, o maior dos brasileiros.

Filho de um médico e deputado, foi para a escola aos 5 anos. Era grande aluno de piano, alemão, inglês e oratória.

Leu todos os clássicos da literatura, se tornou poliglota e aos dez anos já sabia Camões de cor e salteado.

Cursou a Faculdade de Direito em Recife, a mais conceituada de então. E terminou seu curso na USP.

Trabalhando como jornalista, fez sua primeira viagem à Europa, o que lhe encheu de ideias, ímpeto e ideais.

Assumiu então a direção de um grande jornal e secretariou a Santa Casa de Misericórdia.

Rui tinha agora um cargo público, e um jornal sob sua égide. Era o início de uma lenda sem igual na história do nosso Brasil.

Pouco depois ingressa no Parlamento do Império.

Na Côrte, empreende campanha pelas reformas e pela libertação dos escravos.

Com Deodoro da Fonseca, tornou-se Ministro da Fazenda.

Escreve praticamente sozinho a Constituição de 1891.

Assume então a direção do Jornal do Brasil e uma cadeira no Senado.

Em 1907 alcança o status de celebridade mundial ao representar o Brasil na Conferência de Haia, que reuniu as grandes personalidades da diplomacia global.

Baixo em estatura, fez um imponente discurso de 5 horas, conquistando o respeito de todas as nações presentes.

Sua volta ao Brasil foi marcada por festas e honrarias.

Rui Barbosa foi a vida inteira o homem do livro.

Viveu do livro, com o livro e para o livro.

Por ocasião da sua “Oração aos Moços”, destinado aos formandos em Direito pela USP, ele arremata:

Por derradeiro, amigos de minha alma, por derradeiro, a última, a melhor lição da minha experiência.

De quanto no mundo tenho visto, o resumo se abrange nestas cinco palavras:

Não há justiça, onde não haja Deus!

 

Assim, comemoro com senso de humildade e responsabilidade o me assentar-se nesta cadeira.

Assim, comemoro esta noite não como um fim em si mesmo, mas como início de um namoro prolongado e cada vez mais firme com a cidade de Sorocaba, a quem quero muito bem e cuja história conheço, amo e almejo cada vez mais divulgar e preservar.

Não posso deixar de mencionar a importante figura de Douglas Lara, que foi o primeiro a me introduzir no mundo acadêmico, cultural e literário. Nem deixar de mencionar meus amigos e ex-Presidentes do Centro Acadêmico Rubino de Oliveira, Alan Kozyreff, José Carlos Francisco Filho e Daniel Lopes, que sempre confiaram em nosso trabalho cultural e intelectual. Também quero me recordar do saudoso amigo pessoal e escritor Álvaro Viotti Vieira, que em 2009, tomou posse na cadeira 27 desta Arcádia.

Talvez ele tenha sido um dos maiores incentivadores a publicar meus livros e prosseguir em meus esforços.

Ele me queria aqui junto dele, e diversas vezes me falou isso. In memoriam, meu amigo, estamos aqui nesta noite!

 

Grande honra a minha, fazer parte convosco nesta casa.

Estudei muito para chegar até aqui.

Li muito para chegar até aqui.

Escrevi muito para chegar até aqui.

 

Agora temos um trabalho importante por fazer em benefício de nossa cidade e da nossa gente.

Entendo e aceito o Ministério, recebo a benção e Providência, prevejo desafios e lutas, mas me vejo sempre com brilho nos olhos, fé em Deus e fogo no coração, para fazer sempre meu melhor por Deus, por vocês, e por Sorocaba!

Trabalharei em prol dos livros e da leitura!

Ainda que as livrarias continuam fechando e os livros rareiem nas prateleiras e estantes das lojas e das casas,

Ainda que a tecnologia queira tomar o lugar de tudo, inclusive do livro impresso,

O livro impresso continuará em nossos escritórios, em nossas casas e em nossas mãos,

Assim como a Academia Sorocabana de Letras, através do inteligente lema que podemos ver em sua bandeira e em seu símbolo, um bom livro seguirá sendo sempre:

um grande remédio para a nossa alma!

Prazer imenso!

Gratidão a todos!

Deus abençoe a cada um nesta noite e sempre!

 

Nelson Malzoni

Discurso por ocasião da posse na ASL - Academia Sorocabana de Letras

18/07/2023